Amigos da Liberdade da Alma

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O FAZER MUSICAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

l Por:Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira

(Curso de Capacitação para Docentes da Educação profissional da Área de Artes-PROEP-CAPES)

1.Introdução

A conceitualização e ativação da música, constituem a essência das “Oficinas do Fazer Musical”. Baseadas na realidade social e cultural dos educandos e na pedagogia contemporânea, constituem uma via de capacitação dos arte - educadores, aplicável ao mesmo tempo como modelo para a educação musical nas escolas.

A educação brasileira se encontra em um processo de reforma que tem como referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996. No campo das artes, este processo de reforma significa a transição para um ensino mais especializado. A Educação Musical tem encontrado grandes dificuldades em sua aplicação. Os professores que lecionam Educação Artística ou Artes nas escolas, têm uma formação polivalente e, na prática, geralmente adotam uma postura tradicionalista, postura esta que limita a formação integral dos educandos.

Frente a esta problemática, as “Oficinas do Fazer Musical” buscam encontrar caminhos, que permitam aos profissionais da arte, aos docentes, a utilização dos Parâmetros Curriculares como referencial de qualidade, baseados na realidade sócio - cultural brasileira e na pedagogia musical contemporânea.

2. Evolução histórica da Educação Musical nas escolas brasileiras

No estudo da evolução histórica da Educação Musical nas escolas brasileiras,sempre se nota a presença muito forte do Estado, ao conduzir e influenciar a ação pedagógica dos professores de Arte.
Na música, o maior representante desta tendência autoritária se situa no chamado Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, quando o “Canto Orfeônico”, com a proposta de Villa Lobos, difundiu idéias de coletividade cívicas e nacionalistas.

Há que se reconhecer a importância de Villa Lobos, naquele momento histórico. Foi a forma que ele encontrou de manter acesa a chama da musicalização nas escolas, pois induvidavelmente, os anos 30 e 50 foram muito importantes para o ensino musical. Também Sá Pereira e Liddy Mignone alcançaram projeção com uma metodologia baseada nos métodos pedagógicos musicais europeus – a “Iniciação Musical”.
Enquanto o Canto Orfeônico buscava a organização das vozes em coro, através do guia prático de Villa Lobos, Sá Pereira e Liddy Mignone organizavam os sons dos instrumentos de percussão através das bandinhas rítmicas.

Não se trata de avaliar se o “Canto Orfeônico” ou a “Iniciação Musical” são métodos de musicalização eficazes em nossos dias. Estas metodologias refletem o caminho percorrido pela música em nossas escolas, em uma determinada época, quando o método era fundamental em toda atividade pedagógica. Hoje, o Canto Orfeônico, criticado por seu caráter cívico - poético, onde os alunos eram agentes passivos, e a Bandinha Rítmica, por sua rigidez, naquela época foram as formas encontradas para se fazer música nas escolas. Importante ressaltar que alguns dos princípios de tais métodos, como o canto coral e a prática instrumental, devem ainda ser utilizados e reconhecidos como de valor real e inquestionável na formação da personalidade do indivíduo no processo da musicalização cidadã.

Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases substituiu o Canto Orfeônico pela Educação Musical. No entanto, a música nas escolas viveu outro período mais difícil, com o golpe de Estado de 1964, assim como também com a repressão dos anos 70, quando consequentemente aconteceu o exílio de artistas e intelectuais, o que criou um clima muito desfavorável para o fazer artístico geral.
Com a criação da Educação Artística – Lei de 1971, a Educação Musical sofreu um golpe em sua estrutura, pois viu a sua autonomia entrar em decadência ao ser considerada uma atividade educativa e não disciplina, tratando assim, de maneira indefinida, o conhecimento. Um só professor teve que garantir um programa de estudos polivalente, o que quer dizer que o mesmo professor tinha que dominar todas as áreas artísticas. Cada professor mesclava um pouquinho de cada arte e afinal, não aprofundava em nenhuma. O resultado foi contraditório e paradoxal: professores não preparados para o domínio das várias linguagens.
É importante compreender a diferença entre a livre expressão do Movimento Escolinha de Arte (MEA – 1948) e a proposta empobrecida que marcou o ensino de Arte nas escolas dos anos 70, como conseqüência da LDB 5692/71.

O Movimento Escolinha de Arte – MEA, foi inaugurado no Brasil em pleno Modernismo de pós guerra, foi um reflexo da tendência expressionista e representou a possibilidade de ruptura com o academicismo. Outro fato que diferencia a livre expressão do MEA com a dos anos 70, é o fato de que, no primeiro caso, havia uma fundamentação, estudo e pesquisa, baseados nas idéias de Herbert Head (filósofo inglês da educação) e em Lowenfeld y Brittain (Desenvolvimento da Capacidade Criadora) e no segundo, a fundamentação tinha como base, a tendência tecnicista (fragmentação do conhecimento).

Com grande defasagem de tempo, chegaram as propostas de Educação Musical fundamentadas na Música Contemporânea, quando então surgiram também as Oficinas de Música. As possibilidades sonoras se ampliaram. Se antes a música nas escolas regulares era desenvolvida através da organização de vozes e dos instrumentos de percussão, surgiram a partir de então, novas formas de organização de sons ainda não explorados e, contrariando o que alguns pensam, tanto a Música Contemporânea como a Oficina de Música possuíam e possuem propostas muito bem estruturadas e definidas para se fazer música.

Esta ampliação das fontes produtoras de sons, surgiu com o estímulo dos compositores contemporâneos que, descobrindo outras possibilidades sonoras a partir dos instrumentos tradicionais, investigaram também a paisagem sonora, construíram novos instrumentos ou simplesmente lançaram mão de outros materiais sonoros e assim, ordenando estes “outros sons”, criaram novas oportunidades e novas sonoridades musicais. Segundo o compositor e pedagogo canadense Murray Schaefer, “.... agora é missão do educador musical, estudar e compreender teoricamente o que está acontecendo em todas as partes da paisagem sonora mundial”.

Apesar de consideradas por muitos como “sonoridades não harmoniosas, não musicais e não organizadas”, ressalta-se que tais considerações são produtos das dificuldades naturais de aceitação de uma nova estética que se diferencia em alguns aspectos da música tonal e modal e que demandam um intenso trabalho de percepção e seleção de sons. Para fazer música é necessário colocar em ordem os sons descobertos e explorados. O trabalho do professor é muito importante, porém na maioria das vezes, são as posições políticas que determinam as diretrizes educativas musicais nas escolas. Com isto, os educandos são os mais prejudicados por não poderem opinar, não por incapacidade, mas sim, por falta de espaço e de sensibilidade do sistema administrativo.

Em 1996, com a LDB, foram abertas novas perspectivas para a educação em Artes nas escolas, pois a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, volume Artes, pág. 27: “com a polivalência, as linguagens artísticas deixaram de atender às suas especificidades, constituindo-se em fragmentos de programas curriculares ou compondo uma outra área”.

Novas perspectivas surgem para as quatro áreas do fazer artístico: música, dança, artes visuais e teatro. Porém, porque ainda não aconteceu a tão esperada educação musical escolar? Como se pode chegar a esta nova realidade se os seus professores necessitam de uma preparação?

Ainda nos Parâmetros Curriculares se observa que existe uma preocupação do Governo em resgatar a música nas instituições escolares pois música e cultura traçam o perfil da nova Educação Musical e o “Fazer Musical” com seus alunos, abre novas perspectivas para o Professor.

Se reconhece a necessidade urgente de uma transformação no processo pedagógico em Artes: a Lei exige que o ensino seja encaminhado para a formação de cidadãos sensíveis e educados artisticamente, quando se estabelece o desenvolvimento e a oportunidade para que os alunos possam participar ativamente como agentes, intérpretes, compositores, improvisadores e produtores em artes, dentro e fora de aula.
Lamentavelmente os professores, por falta de uma preparação adequada, e os dirigentes escolares, por comodidade e/ou desconhecimento desta nova realidade, impõem as chamadas “aulas de Arte” ou aulas de “Educação Artística”, aos moldes tradicionais, meras apresentações em festinhas que obedecem ao calendário cívico - escolar.

A mudança é urgente e a atualidade deste Curso de Capacitação é o fato de que, as Artes como parte do currículo escolar, necessitam de profissionais capazes de atender esta exigência, bem como de dirigentes escolares conscientes desta situação, pois de acordo com o Parecer CNE/CEB n 16 de 05/10/1999, “ (...) em Educação Profissional, quem ensina deve saber fazer. Quem sabe fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar”.

Tal formação é reiterada no Artigo 17 da Resolução CNE/CEB n 04 de 08/12/1999: “(...) a preparação para o magistério na Educação Profissional de nível técnico se dará em serviço em cursos de licenciatura ou em programas especiais”.


3. Alfabetização Cultural

“Os educadores estão começando a entender que somos a porta para a compreensão da cultura, da diversidade cultural. Por isso insisto tanto que os componentes do ensino da Arte sejam o fazer, mas também a leitura – a alfabetização cultural que podemos dar ao aluno – e a contextualização, ou seja, o entendimento da arte dentro da cultura geral”.
Ana Mae Barbosa

Para Darcy Ribeiro, “cultura é a herança social de uma comunidade humana”. Desde o nascimento, a criança recebe uma série de influências do grupo em que nasce: maneiras de alimentar, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua falada e o embalo com as canções de ninar. À medida que cresce, novas influências ela vai recebendo até se integrar completamente em sua sociedade.

A cultura brasileira originou-se sob a influência européia , no convívio com os indígenas que habitavam o país e com os africanos que chegaram no período escravocrata. Desde o descobrimento, o Brasil tem sido o sustentáculo econômico das sociedades européias, idéia que ainda norteia parte da nossa realidade e um dos motivos da heterogeneidade da nossa cultura. Para Darcy Ribeiro, a imitação do estrangeiro não teria sido um mal em si, não fosse a rejeição do povo por tudo que era nacional e popular, uma vez que estava impregnado de uma subalternidade da terra tropical .

Novos elementos foram introduzidos na cultura do Brasil do século XIX com os imigrantes alemães e italianos.. Modernamente domina o hábito da coca - cola e do arranha - céu, introduzidos pelo norte americano, assim como o francês introduziu no século XIX hábitos de vestiário, rodas infantis e uso de cardápios escritos em francês. A cultura acompanha pois a marcha da humanidade.

A alfabetização cultural, não pode ser ignorada pelo processo ensino aprendizagem principalmente se tratando da educação musical, pois de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, volume Artes, pág. 37, “ A música como produto cultural e histórico: música e sons do mundo”, a música é o próprio produto cultural:

- Movimentos musicais e obras de diferentes épocas e
culturas, associados a outras linguagens artísticas no
contexto histórico, social e geográfico, observados na sua
diversidade.
- Fontes de registro e preservação ( partituras, discos,Cds, DVDs etc.)
e recursos de acesso e
divulgação da música disponíveis na classe, na escola,
na comunidade e nos meios de comunicação (bibliotecas,
midiatecas, etc.)
- Músicos como agentes sociais: vidas, épocas e produções.
- Transformações de técnicas, instrumentos, equipamentos
e tecnologia na história da música.
- A música e sua importância na sociedade e na vida dos
indivíduos.
-Os sons ambientais, naturais e outros, de diferentes épocas
e lugares e sua influência na música e na vida das
pessoas.
-Músicas e apresentações musicais e artísticas das
comunidades. Regiões e país consideradas na diversidade
cultural, em outras épocas e na contemporaneidade.
-Pesquisa e freqüência junto dos músicos e suas obras
para reconhecimento e reflexão sobre a música presente
no entorno.”


4. Musicalização


A musicalização – formal ou acadêmica – pode ser realizada através de técnicas formais de ensino e acontece dentro de um espaço físico apropriado a uma classe de música. No entanto, nas escolas regulares, a musicalização tem um sentido mais amplo. Mesmo que um professor esteja seguindo um método, modelo ou sugestão metodológica, necessitará manter um canal aberto para o inesperado, para a surpresa. Desenvolvido em um meio tão rico e variado de “personalidades musicais”, o trabalho do educador em uma escola regular se converte em uma tarefa muito complexa, sujeita a modificações ou adaptações de acordo com as necessidades que se apresentam.

As “personalidades musicais” mencionadas, são adquiridas através do contato dos alunos com a música de outros meios e não apenas através dos meios oferecidos pela escola. Os contatos adquiridos fora da escola são os processos não formais ou populares de musicalização , adquiridos através dos contatos com os amigos, com a família, com o entorno social. Nossos alunos trazem de casa um vasto e rico material sonoro: canções, fitas cassetes, discos, CDs, histórias, e vivências que deveriam ser melhor acolhidos e trabalhados. Eles estão acostumados, fora da escola, a marcar ritmo com movimentos, palmadas, danças e, essa música expressiva, sentida em todo o corpo, encanta e representa muito mais que uma aula de música parada, não significativa para eles.

Os brasileiros de modo geral, parecem ter nascidos com o ritmo nos pés: dançam e saltam com uma habilidade capaz de despertar inveja em outros povos. Naturalmente nada entendem da teoria musical, porém atuam muitas vezes como músicos profissionais. O aproveitamento e transformação deste material musical proveniente da aprendizagem informal pode gerar propostas pedagógicas musicais, bem próximas dos alunos, abrindo assim, um canal de comunicação entre educador e educandos.
Freqüentemente surgem questionamentos em relação aos fenômenos sonoros / musicais: quando se tornam música? Stravinsky (1996) esclarece:“Esses sons são promessas de música, e é preciso um ser humano para registra-los: um ser humano sensível às vozes da natureza , que sinta necessidade de organizá-los e que seja dotado de uma aptidão especial. Em suas mãos, tudo que não era considerado música, em música se transformará. Daí se conclui que os elementos sonoros se tornam música quando são organizados e que esta organização pressupõe um ato humano consciente”.

Portanto, fazer música em uma escola é uma prática essencialmente coletiva, tendo em conta a presença do fenômeno sonoro. A organização dos sons feita pelos alunos pode ser conseguida através de um trabalho conjunto com o professor, depois de vencidas as etapas necessárias para se chegar a um fim proposto. Existem vários caminhos para se vencer tais etapas. Tudo depende da direção que se resolva tomar, ou seja, interpretar uma canção popular, criar uma organização sonora contemporânea com instrumentos, com vozes, fazer arranjos musicais a partir de canções sugeridas pelos alunos, criar uma banda rítmica ou expressar os sons através do corpo através de um amplo processo em que se deve utilizar todas as possibilidades de expressão sonoras.


5. Oficinas do Fazer Musical

5.1 Educação vocal:

Utilização de todas as possibilidades da voz humana através de sons de vogais, consoantes e onomatopeicos que podem ser acompanhados por gestos com duração, intensidade e timbres diversos. A partir da voz se pode demonstrar emoções de todos os tipos em busca de elementos expressivos e sonoros, formando intervalos, frases e idéias musicais.
Toda atividade vocal, cantada ou falada, deve ser auxiliada por exercícios de relaxamento, concentração, respiração e vocalização. As possibilidades expressivas da voz humana são infinitas, por exemplo:

As vogais com distintas duração, intensidade, altura e timbre.

1. Em grupo, manter uma duração constante, observando a respiração
2. Jogar, brincar com as vogais. As pausas ou silêncios não devem coincidir em todos os integrantes do grupo.
3. Concluir em uníssono.
4. Utilizar diferentes alturas e timbres.
5. Criar ostinatos e desenhos rítmicos com as diferentes vogais.
6. Trabalho individual e em grupo.

Consoantes: com som prolongado como S, F, G e R, fazer soar sem altura determinada; L, M e N, com altura definida e as de som curto ( percutivas ) B, D, K, P, Q e T, junto a vogal.

1. Utilizar diferentes alturas.
2. Utilizar ritmos diversos.
3. Brincar com os silêncios e sons.
4. Aplicar intensidades diferentes.
5. Criar ostinatos rítmicos e melódicos, desenhos rítmicos e melódicos com as diferentes consoantes.
6. Trabalho individual e em grupo.
Sons onomatopéicos:
• Reprodução e imitação de sons de animais e da natureza, como por exemplo um grupo de répteis, com som prolongado (sssssssssssssss, sibilantes com intensidades diferentes), madeiras rascunhada com as unhas, reprodução de fatos e situações como a chuva, percussão de objetos, rio, vento e árvores. Efeitos como: tssss, tik, zummm, pak, croac, inmmm, zass, kkkkkk, ch,ch,ch, grrr, sss, pan.

Sons que refletem emoções e sentimentos que podem ser acompanhados por gestos expressivos:
• Alegria: ahhh!, ohhh!, rá, rá, rá,iupiiiii ( altura - aguda e intensidade - forte).
• Tristeza: mmmmm, ah!, humm ( altura – grave, intensidade – piano, com gestos, tais
como: cabeça, braços e ombros para baixo).
• Amor: mmmmmmmmm!, ahhhhhhhhhhhhh!, mesclado com a respiração, com alturas
diversas e com intensidade piano ou mezzoforte.
• Angústia: gritos diversos com altura, duração, intensidade e expressão diversas.
• Ódio: cólera, frieza: GGGGG, UUUUU ( fortes, crescendo, sons graves retorcidos.
• Asco: gestos de diafragma e guturais, de duração curta e intensidade variável.

As possibilidades vocais e dos gestos, são infinitas, têm um grande valor expressivo e sonoro e pode-se expressar emoções de todos os tipos, de forma individual ou coletiva. Com este material podemos reproduzir o entorno sonoro, a nossa realidade.


5.2. Percepção auditiva:

Desenvolvimento do processo da percepção auditiva, sempre utilizando como ponto de partida, a auto percepção para depois então perceber o entorno sonoro. As múltiplas possibilidades sonoras do corpo, de objetos e dos instrumentos musicais, devem ser explorados através da observação ou percepção sonora, visual, tátil e cinética. A apreciação de um bom repertório folclórico, popular ou erudito, é muito importante e deve ser gradual e sistemático, sempre se levando em conta as diferentes faixas etárias, gostos, preferências e necessidades. A educação auditiva está presente em toda educação musical, no canto, na rítmica ou na improvisação.

Percepção do entorno sonoro:
• Em classe com os olhos fechados, perceber os diferentes sons.
• Relacionar os sons percebidos com formas e esquemas musicais.
• Com os olhos fechados, nosso corpo, - incluindo a voz – deve descrever os efeitos
percebidos: ondulações, contrações, gritos etc
• Possibilidades expressivas de objetos a partir de uma percussão : com a palma e nódulos da mão, unhas, dedos, punhos, pés, objetos de madeira, objetos de metal etc
Exemplos:
• Situar-se em diversos lugares da sala. Observar e descrever verbalmente os objetos:
janelas, teto, quadro, cadeira, piso, armário, porta, instrumentos musicais etc
• Objetos sonoros, percepção visual, tátil e motora. :
- observar uma cadeira
- determinar: forma geométrica, dimensão, e aspecto visual.

Qualquer parte da cadeira pode ser percutida e produzir sons agudos, médios ou graves.
Atuação individual ou coletiva. Realização de motivos rítmicos, polirrítmicos e melodias.


5.3. Educação rítmica:

Fundamental em todos os métodos e processos musicais. Se manifesta de uma forma expressiva através da linguagem, da percussão corporal, jogo de palavras, efeitos da voz, rimas, pregões, palmadas, movimentos rítmicos e com a utilização de instrumentos musicais de percussão de afinação determinada ou não. A prática rítmica contribui não só para o desenvolvimento da coordenação motora de forma decisiva, como também desenvolve o coletivismo, o ouvido interno, a criatividade, a musicalidade e os processos psíquicos cognitivos.
A resposta física ao ritmo, tem diversas formas de expressão: o ritmo da linguagem, a percussão corporal, palmadas, palma contra palma, palma com mãos encovadas, todos os dedos de uma mão contra a outra, três contra três, dois contra dois, um contra um, palma sobre os ombros, quadris, coxas, sapateado, com todo o pé, com a ponta, com o calcanhar.
Recitar nomes, pregões, rimas, refrões, assobios, exclamações, interjeições, jogos de palavras e outras possibilidades sonoras que podem variar de acordo com a idade do educando.
Para a prática instrumental de se utilizar preferencialmente os instrumentos de percussão .
Estas atividades rítmicas e efeitos sonoros diversos, podem acontecer em função do canto, das audições ou pequenos grupos instrumentais; não se trata de formar uma banda rítmica ou conjunto instrumental. Esta proposta tem como objetivo o desenvolvimento do sentido rítmico, da percepção auditiva, da criatividade e da musicalidade de uma forma geral.

5.4. Expressão corporal:

É a corporização da música. Reflete o ritmo e a melodia em uma concretização corporal e pessoal das vivências musicais. Desenvolve o sentido rítmico e a musicalização como um todo coerente, necessário ao equilíbrio e a interiorização e expressão do indivíduo. Somente depois de vivenciar o ritmo a partir do próprio corpo, proporcionando o desenvolvimento rítmico e criativo, é que pode se pensar no plano teórico e intelectual. Por nossa idiossincrasia, nós os brasileiros, temos tradição para a dança, daí a importância que se deve dar ao ritmo, a expressão corporal.


5.5 Criação / improvisação:

O conhecimento, a busca de sons, a experimentação e as possibilidades do corpo devem anteceder as atividades de criação. A vivência e a apreensão devem anteceder a expressão. O interno somente pode ser expressado depois de assimilado e interiorizado.
A improvisação se realiza a partir do canto, das audições musicais e da rítmica, proporcionando assim uma profunda relação pessoal com a música. Não surge espontaneamente. Requer uma preparação adequada em que o educando primeiramente adquire, através de vivências, padrões internos para posteriormente poder criar, improvisar. Para adquirir estes padrões internos, é de vital importância a busca do som, a experimentação com materiais sonoros, a exploração ampla da realidade, do entorno sonoro e das possibilidades corporais.
A improvisação musical pode resultar em um efeito bem simples, como também em uma composição complexa. Está muito vinculada aos jogos, pois através destes, se proporciona as condições para o desenvolvimento da capacidade criativa. A improvisação pode ser livre ou dirigida a partir de indicações de elementos básicos que possam motivar esta atividade individual ou coletiva. Se na música contemporânea a improvisação ocupa um espaço fundamental, a educação musical deve desenvolver este trabalho de criação como um elemento essencial.

5.6. Escrita e leitura:

É a materialização concreta do fenômeno sonoro. A notação pode ser ou não tradicional, porém é importante que seja clara o suficiente para que outros possam também ler. A escrita e leitura é a complementação das impressões musicais.

6. Considerações finais

Apreender os sons, reproduzi-los, transforma-los em música, em ritmo, improvisar, interpretar a contextualidade em que se vive... eis aí o desafio proposto.
Se pretende quebrar os vínculos gerais com a educação musical tradicional, pronta e acabada onde o educando é levado a repetir, a imitar e reproduzir contextos distantes de sua realidade histórico cultural.
As Oficinas do Fazer Musical têm como objetivo a musicalização do cidadão e a prática musical é o centro desta aprendizagem que tem como objeto de estudo o fenômeno sonoro. A metodologia se evidencia através da trilogia: vivência, apreensão e expressão.
As bases teóricas se inspiraram nas pedagogas musicais Hemsy de Gainza ( Argentina) e Sánchez Ortega ( Cuba ) assim como também em Paulo Freire ( Brasil) que com sua grande experiência pedagógica, transpõe as barreiras da mera comunicação formal, coloquial, buscando assim a superação do fazer, da construção e do conhecimento.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1988.

_________ Arte-Educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1995.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial curricular para educação. infantil – versão preliminar. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1988.

_________ Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, 1998.

FERNANDES, José Nunes. Oficina de Música no Brasil. História e Metodologia. Rio de Janeiro: Papéis e Cópias, 1992.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

_________ Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

HEMSY de Gainza, Violeta. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Summus, 1982.

GAUTO, Raquel C. L. M. M. El Taller del Quehacer Musical: Propuesta de Superación para Professores de Música desde el Preescolar hasta cuarto grado en las Escuelas regulares de Montes Claros. Tesis en opción al Título de master en Ciencias de la Educación. Ciudad de la Habana – Cuba, 2000

RIBEIRO, Darcy. Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil. 12. Ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

SÁNCHEZ, Paula Ortega. Algunas consideraciones sobre la Educación Musical en Cuba.La Habana – Cuba: Edit. Pueblo y Educación, 1992.

_________El proceso de musicalización y su repercusión en la preparación del educador musical cubano. Tesis en opción al grado científico de Doctor en Ciencias Pedagógicas. Ciudad de La Habana – Cuba, 1998.

STRAVINSKY, Igor. Poética Musical em seis lições. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

ESCOLINHA DE ARTE – UMA VIVÊNCIA NECESSÁRIA PARA TODA CRIANÇA

| Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira

Criada em 1948 no Rio de Janeiro, por iniciativa do artista pernambucano Augusto Rodrigues (1913 -1993), da artista gaúcha Lúcia Alencastro Valentim (1921) e da escultora norte-americana Margareth Spencer (1914), a Escolinha de Arte do Brasil que coloca o foco nas distintas expressões artísticas como na dança, pintura, teatro, desenho, poesia, música e escultura produziu frutos de uma relevância inimaginável também para nós, os montesclarenses.

Através de Herbert Read em sua obra Education through Art (1943), as idéias e as principais inspirações foram fornecidas para esta experiência, hoje indiscutivelmente vitoriosa e sistematizada, sempre partindo do princípio de que a educação é o fundamento da arte.

Em 1941 a exposição de arte infantil no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, contribuiu decisivamente para a difusão da idéia entre os arte – educadores. Segundo Lúcia Valentim: "Nossa grande mestra foi sem dúvida a criança. Havíamos decidido nos guiar por ela: observar o que ela fazia; oferecer situações novas e verificar como reagia; analisar o que recusava; documentar como progredia".

Afinal, a arte, através de alguns valores estéticos, como beleza, harmonia e equilíbrio, é uma forma do ser humano expressar suas emoções, sua história, sua cultura e pode ser representada através da música, da escultura, da pintura, do cinema, da dança, entre tantas outras manifestações artísticas.

Nos anos 80 e 90, em Montes Claros, as irmãs de Paula, Martha, Graça e Raquel, juntamente com a arte educadora Elda Aléssio, realizaram um trabalho magnífico nesta área.

A importância deste trabalho foi sentida em nossa casa. As imagens da felicidade estampada no rostinho dos meus filhinhos Gú e Dan quando se lembravam de que “era o dia da Escolinha de Arte”, ainda são muito fortes. O fazer arte sempre foi e será um fator essencial no processo do desenvolvimento da linguagem, bem como uma espécie de documento que registra a evolução da criança. Desenvolvendo a criatividade, a auto-expressão, a auto-estima e atuando de forma efetiva e afetiva com o mundo, a criança opina, critica e sugere, através da utilização das cores, formas, tamanhos, símbolos, gestos e sons.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

AQUELA RUA ...


| Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira

Chamada Daniel Costa, depois Coronel Luís Pires, apenas dois quarteirões, aquela rua era o sonho de muitos. A Avenida Deputado Esteves Rodrigues, conhecida por todos como Sanitária, somente inaugurada em 1982, ainda não existia, eram apenas dois quarteirões da Santa Casa até o Rio Vieira.

Seu Ernesto, Mário Ribeiro,Dona Gladys, Coronel Georgino, os Maias, os Melo Franco , Crusoé, na esquina o Seu Édson...turma que depois em uma festa no Automóvel Clube foi alvo de um comentário da nossa muito querida Jacy Ribeiro, “ é, o nosso pedacinho de rua é mesmo muito especial , veja só Raquel, quantos valores intelectuais e morais em um espaço tão pequeno”.

Alguns moradores da Irmã Beata frequentavam o nosso espaço encantado como os Quadros, Queiróz,Gonzaga e Lopes. A Praça da Santa Casa, sem qualquer calçamento, era um tobogã de lama quando chegavam as chuvas, mas a Cel. Luis Pires era calçada, graças ao período de vereador do nosso pai.Dois quarteirões, mas calçada, o que nos enchia de orgulho, pois podíamos correr e brincar pela rua, com as nossas recém lançadas sandálias havaianas, sem o risco de termos o traseiro respingado de lama.

Ali fomos felizes, brincávamos, corríamos, sonhávamos, dançávamos, cantávamos, fazíamos músicas, serenatas,trocávamos livros proibidos para lermos as escondidas, dividíamos idéias de alto nível como também fazíamos brincadeiras para agitar os mais velhos assim como desligar os relógios das casas e tocar campainhas para depois cairmos de rir observando as reações.

Época de sonhos...

Hoje, centro hospitalar e farmacêutico, o encanto da Coronel Luís Pires insiste e persiste na mente de todos nós como celeiro para as nossas produções artísticas e culturais. Quantos intelectuais sonharam naquele espaço mágico !

sábado, 16 de janeiro de 2010

BAILANDO COM A MENTE...

| Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira

Ontem, brincando com lembranças, imagens de um Liszt espirituoso acabou por tomar todos os meus pensamentos e, como consequência, em um impulso, foram aqui registradas.

Neste bailado de memórias, entrei na máquina do tempo e, de repente me senti com os meus dezesseis ou dezessete anos, época em que, orgulhosamente, a minha mãe oferecia a todos os visitantes, como brinde e oferta da casa, a minha execução ao piano da famosa Rapsódia Húngara nº 02 de Liszt.

Que tempo lindo! Tínhamos aulas de piano com um anjo chamado Maria Ignês Maciello de Paula que, generosamente encaminhava os seus alunos para um outro anjo chamado Marina Lorenzo Fernandez, que também por sua vez, nos fazia viajar de trem de ferro ou de ônibus para Belo Horizonte, em uma estrada ainda não totalmente asfaltada, para aperfeiçoarmos a nossa técnica pianística com o Professor Pedro de Castro, então mui digno Diretor do Conservatório em Belo Horizonte.

Leveza de ser, de pensar, de agir. Era mesmo uma confraria. Todos por um e um por todos. Éramos uma família harmônica tradicional em todos os sentidos. Nenhuma dissonância hoje perfeitamente aceitável e natural, marcava presença naquele clã deliciosamente aconchegante.

Esta atitude da minha mãe, na verdade era fruto da uma orientação dos mestres do piano e que ela levava muito a sério. Precisávamos sempre de uma platéia para aprendermos a lidar com a emoção diante do público.

Ah... a minha mãe ! A Dona Nenzinha se encantava com a Rapsódia nº 02 e, como um pavão, assistia a sua filhotinha fazer malabarismos sobre o teclado para o encantamento de todos, pois esta peça é a segunda e mais famosa obra de um conjunto de 19 rapsódias compostas por Liszt e que atingiu grande popularidade, por permitir ao pianista revelar e explorar todo o virtuosismo característico da escola romântica.

Consiste esta técnica, na repetição de uma nota seguida de sua oitava superior e, posteriormente, numa nova repetição da mesma nota. A rapsódia que começa com um “Lento a capriccio”, segue com um “Andante maestoso” no "Lassan",para depois na “Friska”, em um "Vivace" não menos virtuosístico, com os seus saltos tanto na mão esquerda como na direita, exigir grande reflexo do instrumentista, com a célula rítmica colcheia pontuada / semicolcheia.

Não apenas em nossa casa, esse colosso pirotécnico, arrebatado e hilariante, era também sempre importante para um “gran finale” nos concertos e recitais.

Insistentemente, a imagem linda da minha mãe, enérgica porém sutil, generosa, mas sempre muito firme, baila em minha mente, ao som cigano de todo o talento e vivência húngara de Liszt.

Quantas saudades mamãe...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

UMA TELA DE RENOIR AO SOM DE DEBUSSY


I Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira


Eu devia estar com os meus dezesseis anos e já era considerada uma velha professora do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez, isto porque naquela época, em uma estrutura curricular bem diferente e, já possuindo todos os diplomas necessários, fui emancipada em cartório, pelos meus pais, a pedido da D. Marina Lorenzo Fernandez que precisava de professores. Com a emancipação, eu poderia lecionar legalmente, apesar da pouca idade. Comecei por lá aos treze anos.

Neste tempo, não se vinculava a série escolar musical à série da escola regular. Na mesma classe, atendíamos todas as idades, daí que, antes dos meus quinze anos, eu lecionava para alunos crianças, adolescentes e adultos. Muitas vezes, na mesma classe, atendíamos avôs com os seus netos. Éramos uma família. Todos juntos e sempre com muita alegria. Parecia que toda a cidade ali estudava, respondia presente e amava aquela casa de arte, em uma harmonia sempre perfeita.

O conservatório parecia ser o centro do mundo!

Sim, estávamos em uma cidade do interior mas, pelos contatos da Dona Marina, recebíamos os maiores nomes do Brasil, em todas as áreas da arte, como também, continuamente viajávamos para nos aperfeiçoar nos grandes centros.

Ali era o meu paraíso, a minha alegria, a minha vida.

Somente sabia a hora de entrar, nunca a de sair. Por lá eu alimentava o meu espírito, a minha alma e, como eram perfeitos os meus colegas, alunos e amigos. Ou melhor, não havia separação entre alunos, colegas e professores. Jogávamos no mesmo time, sempre comandados por esta figura divina chamada Marina, filha do grande compositor brasileiro Lorenzo Fernandez.

Juro que muitas vezes não a via como humana. Parecia ter sido extraída das Galáxias ou ter caído do céu para a nossa felicidade. Com esta criatura maravilhosa, aprendemos a ser, pensar, agir, falar e fazer música com o coração.

Que tempo mais lindo!

Tantas imagens, tantos sons e quantas cores. Neste momento, a minha mente mais parece uma tela de Renoir sonorizada com a música de Debussy.

MONTES CLAROS QUE EU AMO

l Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira


De Arraial das Formigas aos Montes Claros, as gerações têm se encontrado por fé e tradição em cantos, lendas, ritos, danças, costumes e cores que aquecem os corações e enchem de alegria a alma do norte mineiro.

Montes Claros cantado em verso e em prosa como os “Claros Montes de Minas Gerais” (Tino Gomes), se enfeita em agosto para ouvir o cantar e o dançar alegre dos catopês, caboclinhos e marujos. As praças e ruas ensolaradas, revivem cortejos reais afro-brasileiros, portugueses e ameríndios, num sabor de vida, de pequi, de umbú, frutas do norte, noites de lua, modinhas, serestas( ... que saudades do Dr. Hermes de Paula), que mantêm acesa a chama do famoso “lirismo da alma brasileira”.

Quem não ouviu falar do Joaquim Nagô, por certo não é da região ou ainda não perdeu um objeto de muita estimação, pois se isto houvesse acontecido, há muito teria chamado por “êle”. Nagô escravo, acusado de matar o seu patrão com uma foice, foi inocentemente enforcado e a partir de então, começaram os milagres – uma velha paralítica abandonou as muletas e até hoje Nagô é invocado principalmente para encontrar objetos perdidos.

Quanta riqueza, quanta imaginação e como se mantêm ricas as velhas tradições neste Montes Claros !

Quem diria, o famoso São Gonçalo, santo casamenteiro das moças velhas, nascido em Amarante, Portugal, centro das atenções das coroas beatas rezadeiras da região, volta gloriosamente a ser cantado e dançado na Europa e Estados Unidos com o nosso não menos famoso conjunto “ Banzé”.

E as brincadeiras (cabra cega, velha quereca),as histórias sem fim (era uma vez um galo pedrês,quer que lhe conte outra vez ?),os trava línguas (toco preto, toco crespo, toco preto, toco crespo),os provérbios (quem com porco mexe, farelo come), as advinhações (o que é o que é, de boca para cima está vazio e de boca para baixo está cheio ?),as expressões populares(roer a corda), as supertições (homem velho quando muda de casa é sinal de que vai morrer), o reisado, as pastorinhas e os desafios de viola.

Aqui todos nós fazemos a nossa “fezinha” com a medicina popular e com as benzedeiras – “eu levo meu filho ao médico, mas benzer não faz mal prá ninguém, né?”

E assim vai o norte mineiro vivendo, cantando e passando para as novas gerações todo um calor e filosofia de vida que faz destes Claros Montes, um lugar muito especial - os tempos mudam, mas a essência fica.

SONHOS DE ANO NOVO - UMA AVENTURA EM PARIS

| Por: Raquel Crusoé Loures de Macedo Meira


Começar de novo é sempre muito bom e, nada melhor que uma virada de ano para nos encher de boas intenções, de planos envoltos em fantasias, novos sonhos e de uma certeza absoluta de que tudo vai mudar.Assim somos nós, mensageiros da esperança eterna e eternos aprendizes da vida.

Nesta busca de emoção, por muito tempo alimentei uma fantasia de passar um Reveillon em Paris, afinal já havia vivenciado a chegada do ano novo não apenas em nossa querida Montes Claros, como também em várias capitais do meu país, tais como Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Brasília e São Paulo.

E assim, fui acalentando este sonho de tal forma que, na minha mente, imagens dos Champs-Elysées com os fogos de artifícios, do Arco do Triunfo e da Catedral de Notre Dame foram se materializando e, acreditem ou não, com trilha sonora de Debussy e efeitos especiais tal e qual nos filmes atuais de grande avanço tecnológico.

Convidei a minha família, ninguém aceitou, todos queriam partir para Buenos Aires, e foi então que decidi: sim, eu vou a Paris, vou transformar este sonho em realidade, com família ou sem família, eu vou!

Memórias, doces memórias...

Assim embarquei nesta aventura. Afortunadamente encontrei um grupo de amigos, umas dez pessoas que compartilhavam este desejo. Agência de Turismo, roteiro, roupas para inverno e, finalmente chegou o grande dia. Alguns nos esperariam em Belo Horizonte, outros, inclusive eu, iríamos em uma Van da Agência de Turismo até o aeroporto de Belo Horizonte. Foi aí que começou a verdadeira aventura.

Trinta minutos de viagem com uma chuva torrencial, não comum por estas bandas e, a tal corrente do motor da Van se quebra. Tentamos chamar a agência, mas nada funcionava. Estávamos em plena rodovia, parados no acostamento e o mundo desabando em água. Dentro da Van, os elegantes passageiros com destino a Paris desidratavam de fome, calor e sede. Tínhamos horário para chegarmos. Não podíamos perder o vôo. As sofisticadas roupas de griffe, aos poucos eram desfeitas para amenizar o “efeito estufa” no interior da “famosa” Van. Tragicômico, no mínimo!

Enquanto isto, o meu ex-marido, resolveu levar as crianças para um almoço em um conceituado restaurante no campo e, ao nos encontrar na rodovia, não pode acreditar. Afinal, havíamos nos despedidos há poucos minutos, com a alegria de quem vai para Paris e agora, o que ele via ? Um grupo cansado, esfomeado, mas bem humorado e cheio de esperanças de ainda chegar a tempo no aeroporto.

Depois dos “primeiros socorros” ao estômago, ele providenciou o necessário para seguirmos viagem. Agora, era a luta contra o tempo, mas haviam algumas paradas invitáveis onde situações interessantes ocorreram, como por exemplo, quando um integrante do grupo foi reconhecido e, no bate papo veio a pergunta natural de quem se encontra pela estrada: para onde você está viajando? E, ao ouvir a mais pura verdade como resposta: “estamos viajando para Paris”, o interlocutor mal pôde conter o riso ao responder: Paris ? Creio que vocês estão mais preparados para “Patis” (pequena cidade aqui do Norte de Minas Gerais).

A gargalhada foi geral. Pé na estrada, bom humor, esperança no coração e muita correria. Sentíamos o motorista como o próprio Airton Senna. Chegamos no último momento para o alívio dos companheiros que nos esperavam.

Vôo Belo Horizonte – São Paulo. Tempo suficiente para a metamorfose, afinal, éramos passageiros com destino a Paris, e assim nos apresentamos para o check-in internacional em São Paulo.


ENFIM PARIS


Depois de uma escala no Aeroporto de Schiphol em Amsterdam - Holanda, desembarcamos no Charles de Gaulle em Paris.

Ah Paris ! Sempre Paris, capital das capitais, Cidade-Luz. Descrever ? Impossível. Paris precisa ser vivida e esta vivência precisa de um conhecimento histórico-cultural muito intenso. Passeia-se pela história. Igrejas, praças, prédios, museus, torres, castelos, jardins e monumentos. Tudo por lá é impregnado de história, cultura e arte.

O Rio Sena divide a cidade em duas partes, a margem direita e a margem esquerda, sempre ligadas por inúmeras pontes. Paris, cidade das portas e pontes. Costumamos dizer que, para encontrarmos o ponto do nascimento de Paris, a antiga Lutécia, basta estar na Ilha da Cidade, de costas para a Catedral de Notre Dame.

Visitar e se emocionar com o Louvre, com a grande Ópera, Arco do Triunfo, Catedral de Notre Dame, Torre Eiffel, Montmartre, Lido, Moulin Rouge, Santa Capela, Túmulo de Napoleão, Quartier Latin, Sourbonne e com os mais de 8 000 restaurantes e bistrôs, preferencialmente acompanhados por um rouge ordinaire ou um blanc ordinaire (deliciosos vinhos triviais da casa) e participar, não mais em sonhos, mas de uma realidade ao vivo e a cores, da emocionante passagem de Ano em Paris na Avenida Champs-Elysées, próximos ao Arco do Triunfo, com uma garrafa de champagne na mão e assistir a queima de fogos, é sempre muito além de toda e qualquer expectativa. É abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os desejos não precisam de razão, nem os sentimentos, de motivos.


Bonne année !